O governo português e a Vinci pretendem avançar com a expansão da Portela e a construção de um novo aeroporto no Montijo. Apenas esta última intenção foi alvo de Avaliação de Impacte Ambiental, que está em consulta pública até 19 de Setembro.

Em Londres, em 2014, o Governo britânico abandonou a ideia de construir um novo aeroporto numa zona de estuário, por representar um risco desproporcionado para os passageiros aéreos e ser difícil de compaginar com as normas europeias de conservação da natureza.

Na zona do Montijo, foram detectados, num só ano, três milhões de voos de aves no corredor de aproximação à pista norte, tornando clara a inevitabilidade de corvos-marinhos, cegonhas, flamingos ou gaivotas provocarem um acidente grave caso a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) decidisse, de forma extemporânea, tomar uma decisão diferente daquela que a Airports Commission tomou há cinco anos.

Será muito difícil, no século XXI, pedir que se encontre uma localização adequada para o aeroporto de Lisboa que não tenha efeitos desproporcionados nos ecossistemas e na saúde das pessoas? Vamos continuar a manter os maiores hospitais e a maior universidade do país, a biblioteca nacional, dezenas de escolas e centenas de milhares de residentes da capital sujeitos a um ambiente sonoro que, hoje sabemos, ultrapassa todos os limites legais e tem pesados custos para a saúde?

As piores previsões da comunidade científica sobre os efeitos das alterações climáticas têm sido frequentemente superadas. A subida do nível do mar, com impacto no estuário do Tejo, colocará em risco a viabilidade da infraestrutura aeroportuária, mais cedo do que se espera. 

O estudo de impacte ambiental torna evidente que os impactos negativos são mais significativos que os impactos positivos, pelo que é expectável o chumbo do projecto pela APA – mas mesmo que a decisão fosse favorável os promotores teriam de realizar um estudo mais completo sobre o risco de colisão com aves. Insistir nesta proposta pode levar a mais atrasos do que procurar, desde já, uma alternativa adequada.

Que turismo, que mobilidade e que cidade queremos?

Por decisão da Câmara Municipal de Lisboa, estão a decorrer estudos para determinar a capacidade de carga turística da cidade. Na certeza de que essa capacidade não é ilimitada, importa promover o turismo sustentável e cultivar alternativas à monocultura do turismo – que não comprometam o direito à habitação e à cidade e que sejam mais enriquecedoras a longo prazo, do ponto de vista social, cultural, ambiental e económico.

Por outro lado, as estatísticas mostram que, na última década, os aeroportos de Paris, Madrid, Munique e Roma transportaram mais passageiros com menos aviões. Se a melhoria da qualidade de vida para todos permitir receber mais turistas, é possível fazê-lo mantendo ou reduzindo o tráfego aéreo.

As previsões sobre o futuro do tráfego aéreo nos próximos anos são muito incertas, não só porque seremos provavelmente confrontados com uma crise económica, mas sobretudo porque a resposta à emergência climática que se desenha nos países do centro e norte da Europa produzirá efeitos sobre o número de passageiros aéreos que chegarão a Lisboa. 

Mesmo tomando como certas as previsões em que se baseiam os promotores do projecto, o número de movimentos aéreos previstos para 2032 para o conjunto Portela+Montijo seria igual ao que se observa hoje no aeroporto de Gatwick, em Londres, que tem apenas uma pista. 

Neste momento é praticamente um dado adquirido que teremos uma travessia entre Chelas e o Barreiro, ligando Lisboa a Madrid e às redes ferroviárias transeuropeias num tempo razoável, como parte do combate à emergência climática. Enquanto essa travessia dificilmente se pode articular com o sistema Portela+Montijo, ela permitirá ligar de forma rápida e eficiente a cidade de Lisboa a uma alternativa aeroportuária mais sustentável.

A população e as entidades competentes darão com certeza o seu contributo para ajudar o poder executivo a corrigir a sua visão sobre este projecto insensato que pode condicionar as nossas vidas durante os próximos 40 anos. É essencial avaliar as diferentes alternativas de modo a seleccionar aquela que responde, não às exigências das companhias low-cost e da multinacional Vinci, mas às necessidades de segurança aérea, de promoção da saúde pública e da biodiversidade, de integração na rede ferroviária e de mitigação e adaptação às alterações climáticas. Isto só pode ser feito de forma sistemática recorrendo a uma avaliação ambiental estratégica, como prevê a legislação nacional e comunitária.

Publicado no Jornal Público, em 14/09/2019